“O racismo sempre existiu em nosso país, mas era velado, pois as pessoas tinham vergonha de admitir e ‘respeitavam as leis’. O discurso de autoridades revelando seu racismo potencializou as pessoas a fazerem o mesmo, com muita violência. Além de aumentar o racismo houve também aumento da violência contra quilombolas pois, com o aval de autoridades, as pessoas que cometem racismo têm a confiança de que não serão punidos. Estamos sofrendo com ataques racistas nas ruas, nas escolas, nos postos de saúde, nos restaurantes e na própria Justiça”.
“Para nós, quilombolas e população negra, é muito frequente ouvir termos pejorativos de autoridades que nos insultam e falam palavras horríveis. Escutamos de várias autoridades, desde juízes, promotores a presidente, governadores e prefeitos: pessoas que são formadoras de opinião pública e que deveriam cuidar dos direitos e das pessoas. Isso causa índices de violência contra pessoas negras e quilombolas. Vivemos permanente ameaças aos nossos territórios e às nossas vidas. Vivemos em constantes conflitos e desrespeito quando não nos garantem acesso à saúde, educação e infraestrutura para ir à cidade.
Tudo isso é motivado por discursos racistas, que só perpetuam ainda mais os resquícios da escravidão. Como foi perverso esse processo de colonização e escravidão que se perpetua até hoje. As pessoas não nos veem ainda como pessoas. Nos veem como objetos e inferiores. Isso fere nossa autoestima e dignidade enquanto pessoa. Temos que dar um basta a isso. Temos que fazer que estas pessoas que se dizem autoridades – que são muitas vezes delegadas por nós – nos respeitem. Embora essa sociedade elitista queira nos manter separado, como faz há 500 anos. Há muito tempo lutamos contra isso”.
“Os discursos racistas violam os direitos humanos dos quilombolas e, em um Estado brasileiro e na sociedade que vive desse racismo estrutural tão forte e tão alimentado nesse pacto da branquitude pelo poder, incentiva que as pessoas se sintam no direito de também ameaçar, violar as outras pessoas. O atual momento requer cuidado, vigílias e requer principalmente denúncias – seja nas cortes internacionais, através de campanhas – das violações que o racismo provoca e como ele viola a vida diretamente dos quilombolas no Brasil. Todos os atos que violam, que tiram direitos, que constrangem e que oprimem essas pessoas que são ancestralmente massacradas por esse sistema tão racista, precisam ser denunciados. E nós vamos denunciar sempre”.
“O discurso racista se propaga muito fácil e tem se levantado muito contra nós lideranças quilombolas que temos feito um trabalho de fortalecimento do nosso povo, de defesa dos direitos quilombolas. Ele é fácil e disseminador, porque traz o ódio, a discórdia, o levante contra o nosso povo, é uma desconstrução dos nossos valores. Essa tem sido uma luta muito grande para nós e muito desafiadora, principalmente para nós mulheres.
Muita das vezes a gente pensa em parar a luta, mas ao mesmo tempo a gente percebe que a luta não nos deixa parar. Por mais difícil que seja esse discurso de ódio,o nosso povo quilombola tem sangue na veia, esse sangue que nós temos de Zumbi, de Dandara, de outros. Essa ancestralidade que nos dá força e nos dá o alento”.
“É difícil responder quando somos atacados pelo racismo, porque isso é uma constante nas nossas vidas: de todas pessoas negras, mas em particular dos quilombolas, porque nós ainda somos um grupo extremamente invisibilizado na nossa sociedade. Nós somos atacados pelo racismo todos os dias, quando são negados a nós direitos constituídos legalmente – como o processo de regularização fundiária que é impedido porque se esvazia o orçamento ou se muda a função da instituição, quando a Secretaria Especial de Políticas para Mulheres é destituída, o Ministério do Desenvolvimento Agrário é extinto, ou quando os conselhos de participação popular em que os quilombolas se fazem presente são eliminados com uma justificativa de economia de recursos. É um conjunto de ataques aos quais nós na verdade não sabemos pra quem recorrer. Não há como a gente ter o sistema de justiça, que tem como base e princípio de sustentação o próprio racismo, como uma referência para que a gente possa denunciar os ataques. Quando o então candidato e atual presidente da república proferiu um dos atos mais racistas em relação aos quilombolas e aos negros, qual foi a resposta do sistema de justiça? De que era liberdade de expressão e não crime. A gente não pode confundir um com o outro. O Sistema de Justiça tem apelado ou utilizado essas narrativas para dar continuidade do racismo sobre os corpos negros e indígenas”